domingo, 25 de abril de 2010

Semente, broto, planta, flor, fruto, semente

Somos como angiospermas: temos uma vida com ciclos.

Embora cada pessoa escolha quais etapas vai pular ou repetir, basicamente nascemos, crescemos, nos reproduzimos, envelhecemos e morremos. A riqueza está justamente na diversidade de cruzamentos, de repetições, de abstinências. Cada pessoa com a sua história. Cada fruta com sua semente.

Minha avó chamava minha mãe de flor de maracujá. Minha mãe me chamava de flor de maracujá. Eu ficava infinitamente desconsolada com tal apelido. Maracujá? Aquela fruta azeda e enrugada? O que eu fiz para merecer tal referência? O dia em que decidi expor minha indignação, minha mãe caiu na gargalhada. Fiquei ainda mais desconsertada.

Ela me explicou que também sofria da mesma aflição quando criança. Continuei abismada: seria esse um tipo torto de vingança? Não é mentira aquilo de fazer aos seus filhos aquilo de mais perturbador que seus pais fizeram com você?! Ela jurava que a flor era linda. Eu desacreditava. Ela dizia que também desacreditava, quando criança, e que não sabia o que fazer para me convencer (naquela época não existia internet e a Barsa não trazia uma foto da flor de maracujá).

O que minha avó fez para te convencer? "Um belo dia ela me chamou no quintal e me mostrou uma flor de maracujá que havia nascido lá". Embora eu more em casa, sabia que a probabilidade de um pé de maracujá nascer aqui era remota. Continuei desacreditada da beleza da tal flor, achando que minha mãe estava apenas tentando disfarçar sua vingança.

Alguns anos se passaram e eu já nem ligava mais para o apelido. Era como qualquer coisa. Era como ela chamar "filha". Foi quando minha mãe chamou. No quintal havia nascido uma trepadeira bonita, que ela foi deixando crescer porque tinha uma folha "tão bonita"... No quintal havia nascido uma flor de maracujá. O fruto não cai longe do pé.


Foto de Srta. Amanda

sábado, 24 de abril de 2010

De chocolate com morango da madrinha


Foto de Dimitris Ladopoulos

Eu já manifestei minha admiração pelas crianças, mas confesso que nem sempre foi fácil para mim me relacionar com elas. Tive a sorte de ter muitos pimpolhos que me ajudaram na árdua (e deliciosa) tarefa de lidar com a franqueza infantil.

Meu grande herói é meu afilhado. Minha grande heroína é minha prima, que me deixou ser madrinha do filho dela. Deus sabe que eu teria medo de confiar um filho meu a uma pessoa que não sabia (sim, espero que esse verbo pertença ao passado) conversar com uma criança. Eu tinha muito, mas muito medo daquele jeito espontâneo, daquela cara que eles fazem quando pensam "por que você está complicando tanto?", mas, acima de tudo, eu tinha medo da lógica infalível.

O neto de uma amiga da minha mãe uma vez torturou a avó. Acho que a mulher devia mesmo ser uma chata, mas ouvir do próprio neto que não gostava NADA da avó, isso é sacanagem! Ou não. Enfim, a pobre avó insistiu: "Mas você não gosta nem um pouquinho da vovó? Nem um tiquinho assim?". A criança, enfurecida com a insistência, respondeu: "Vó, você sabe o quanto é zero? Zero é nada! NA-DA!". Eu morreria. Não sei se a avó ainda vive.

Nem preciso dizer que fiquei eternamente grata quando vi que meu afilhado veio com um manual de instruções. Tudo o que eu precisava era perder o medo de atender àquilo que ele estava falando. "Madinha, não é assim! Agora você precisa fazer assim, ó!". E eu seguia as instruções. Simples assim. Levar bronca de uma criança de vez em quando não é problema indissolúvel. Claro que ela não pode virar a rainha má do castelo, mas quando você está brincando com ela, que mal há em embarcar em suas fantasias? Na verdade é até mais simples. Assim você não precisa desenferrujar seu cérebro viciado na realidade para criar algo novo e surpreendente. Simplesmente destrave o freio e vá, na banguela. Eles te puxam, empurram e brecam por você...

Todas essas conquistas são doces. Doces como festa de aniversário, com cheiro de vela e brigadeiro espremido em algum lugar escondido. Doces como quando minha prima perguntou para meu afilhado que bolo ele queria no seu aniversário... "De chocolate com morango da madrinha". Eu vivi naquele instante. Eu vivo para esses instantes.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Doce Algodão Doce


 Foto de Sërch

Mágica. Algodão doce só pode ser feito de mágica. E açúcar.

Quem é que nunca pensou em algodão doce ao olhar para as núvens? Algodão doce é feito de sonhos, devaneios, fios que ligam a alma à razão. Algodão doce é feito de amigos, de buzina e cores. Algodão doce surge como se houvesse matéria no nada e desaparece como se nada mais houvesse naquele momento.

Ele precisa ser compartilhado, de vez em quando espremido entre os dedos até virar uma folha de papel doce. Os dedos precisam ficar melados. Algum melado deve sobrar, esquecido, pronto para causar risos quando achado. Algodão doce não é algo, é lembrança.

Uma doce lembrança que guardo é de um passeio com uma grande amiga no Jockey. Ela veio de outra cidade e me deu a oportunidade de ser turista em plena São Paulo. Um dia fomos assistir um GP, ver cavalos lindos, pessoas de chapéu e fanáticos. Um mundo paralelo encantador. E nosso propósito naquele dia era fazer tudo diferente... comer todas as tranqueiras possíveis, como se fôssemos crianças fugidas dos pais. Duas arteiras natas, soltas em um mundo fantástico.

Quando já estávamos sem forças para comer mais, lembrei-me do algodão doce. Ele não ocupa espaço, ele é mágica que surge do nada e deve retornar ao nada. Ele não pode faltar! Saí em busca dos sonhos... Cheguei à carrocinha e pedi meu algodão doce, daqueles feitos na hora, soltinhos, brancos e deliciosos. Foi dada a largada. O barulho chatíssimo da máquina já nem era mais problema. Eu estava hipnotizada pelo movimento cadenciado daquela mulher com um enorme sorriso. Mas o sorriso foi sumindo... Sumindo... Sumindo... E meu estado de hipnose foi sendo quebrado pela aflição da mulher. "Puxa da tomada! Puxa da tomada!" - ela gritava enquanto o movimento deixava de ser gracioso. A máquina quebrou ligada! Justamente na minha vez!

Foi um alvoroço só. As pessoas olhavam, riam, apontavam. A mulher me entregou o algodão doce e pouco me importava e resto do mundo: eu estava com o maior algodão doce da história em minhas mãos. Eu era uma criança feliz. Eu agia como uma criança feliz. Eu não me importava com nada, a não ser com o controle do meu algodão doce, como uma criança feliz. E voltei para a arquibancada.

O alvoroço me seguiu. Os olhares me seguiam. Outros olhares foram atraídos por aquela grande núvem espetada em um palito. Quando baixei a núvem, pude ver os olhos arregalados de minha amiga. Ela estava sentada, imóvel, num estado quase catatônico me olhando surgir por de trás daquele algodão doce colossal. E então ela despencou no riso. "Só podia ser você! Só podia!"

Por isso, quando me perguntam como é feito o algodão doce, eu respondo. É mágica.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Like a kid in a candy shop

Foto de Kelly Kautz

Uma das épocas mais felizes da minha vida na cozinha foi quando eu fazia estágio (não remunerado) numa confeitaria. A cozinha tinha janelões de vidro por todos os lados e um deles dava para a loja. Ali era possível ver a reação de todos que olhavam para os doces. Eu considerava esse o meu pagamento.

Quando entravam crianças, eu largava o que quer que estivesse fazendo para correr e olhar a vibração deles em frente ao balcão. Eles literalmente vibravam! Tremiam, chacoalhavam as mãos, viravam a cabeça freneticamente para os lados, olhinhos arregalados e pés saltitantes. Quase choravam por ter que escolher um só. Lembro-me até hoje quando eram dois irmãos, deviam ter 5 e 6 anos, e competiam loucamente para ver quem escolheria o melhor. O mundo poderia ter acabado naquele dia.

O meu doce preferido sempre foi o brigadeiro. Brigadeiro é o doce nacional, nasceu em uma campanha política (por favor não passem a odiá-lo!) e agora virou mania de boutique. Em cada esquina vemos um atelier especializado, uma loja moderninha, marmitinhas de lata, paninhos de pic nic e bridageiro de tudo quanto é sabor para todos os lados.

O meu favorito é feito com cacau, em casa, pra comer ainda quentinho. Se eu dou a receita? Claro!

BRIGADEIRO DE CACAU
1 colher de sopa de manteiga
1 colher de sopa de cacau em pó (bem cheia)
1 lata de leite condensado

PREPARO: Aqueça a manteiga e misture o cacau em pó. Esse é o segredo para não empelotar, porque o cacau dissolve bem em gordura e não no líquido. Aí é só misturar o leite condensado e ir mexendo até ficar no famoso ponto de soltar da panela. Ou um pouquinho antes mesmo, porque até molinho ele é bom!

A vida é doce.

"I brought you flours"

Essa é minha frase favorita. E eu não errei na escrita.

Para quem não assistiu "Stranger than Fiction", o filme fala sobre um homem que passa a ouvir uma narradora de sua vida. E ele vai morrer. And he brought her flours. Isso é tudo o que tenho a dizer sobre o filme. Assistam.

Sempre que penso nesse filme, penso em minha vida, em minhas escolhas, nas escolhas de muitas pessoas que conheço. Penso no valor das relações, na riqueza que um simples cookie tem, no significado que cozinhar tem para mim. Aprendi a cozinhar ainda muito pequena, quando minha mãe viu que seria melhor me ensinar antes que eu explodisse a cozinha.

Por muito tempo minha felicidade era separar as forminhas de papel para os brigadeiros. Eu achava que estava fazendo a festa inteira! Definitivamente essa deveria ser a tarefa mais importante. O que poderia ser mais importante do que brigadeiros confortavelmente acomodados em forminhas de papel coloridas, sem qualquer amassadinho, perfeitamente separadas? Nada.

Depois descobri os bolos, que me levaram às tortas, aos cremes, coberturas e a uma faculdade de psicologia. Sim, tinha algo estranho nessa ficção. Depois de três semestres vi que acho a psicologia linda, mas que não queria ser psicóloga. Guardei com muito carinho minhas experiências dessa fase e segui em frente. Prestei artes cênicas. Amo teatro, artes, expressão, mas me enganei mais uma vez.

Num belo dia um amigo veio me falar sobre um novo curso: gastronomia. Naquela época era novidade e acho que pela primeira vez tive medo de mudar de rumo, mas mudei. Fiz gastronomia. Foi como estar finalmente em minha pele. Não sei se todos conhecem essa sensação, mas tenho certeza de que aqueles que já experimentaram isso sabem que não há outra expressão que substitua. E quando você está em sua pele, finalmente, você não quer que te digam o que fazer ou não dela. Ela é sua e você nunca mais abrirá mão dela. Demorou a chegar, é mais precioso.

Fiz estágios em confeitarias, panificadoras e trabalhei em um restaurante. Por muito tempo cozinhei para desconhecidos, mas certa de que estava proporcionando um momento especial para suas vidas. Aquele breve instante em que o doce toca a ponta da língua e começa a derreter. As cores, formas e texturas que de tão lindas você tem dó de desmanchar. Mas nada se compara àquele instante, aquele olhar que mostra que você está compartilhando tudo isso com pessoas queridas.

Confortável em minha pele, mas não com o ambiente, fui estudar marketing. Já estava convencida de que na vida escolhemos formação, e não profissão. Mais uma vez me apaixonei, mas como toda boa paixonite, ninguém entendia o que havia de tão mágico nessa relação. Gastronomia e marketing não pode ser um casal! Pode? Pode. Pense bem.

Comecei um estágio numa empresa, conheci o dia a dia de marcas, continuei colecionando pessoas... Fui para uma consultoria, adicionei mais pessoas à minha coleção. E estou vivendo de bem com a minha pele e com o meu ambiente. E quando eu não estiver, mudarei mais uma vez, como as pessoas devem fazer.

Já me perguntaram se eu não tinha medo de não parar nunca. A resposta continua sendo não, eu tenho medo é de parar.