quarta-feira, 23 de junho de 2010

Vamos fazer queijo?

Nasci em São Paulo e posso ser considerada criança de cidade grande, em termos. Todo final de semana nós íamos para o sítio onde meu pai criava gado leiteiro. Muitas lembranças felizes que tenho da minha infância envolvem correr no pasto, nadar no rio e dar mamadeira para bezerros em processo de desmame. Lembro particularmente de acordar cedinho e rumar para o curral, ainda de pijamas, com um copo com algumas colheres de achocolatado nas mãos. Alguns podem achar essa idéia horrível, mas o leite saía direto da teta da vaca para o meu copo, quentinho, cremoso e especialmente integral. Que infância gorda e feliz!

Eu ma colocava os pés no sítio e já perguntava... "Vamos fazer queijo, né?". Ah, o queijo... Colocávamos o qualho no leite, esperávamos que ele virasse uma grande gelatinnona branca e lustrosa e chegava a hora de cortar. Eu ia fazendo um quadriculado cada vez mais preocupada com a igualdade dos quadradinhos. E depois era a hora de mexer. Até agora parece que sinto minhas mãos se embrenhando naquela mistura de textura incrivelmente macia. Eu me enfiava até os cotovelos (devidamente lavados!). Tenho certeza de que foi no sítio que começou minha paixão pela cozinha e por todos os processos que os alimentos sofrem até chegar em nossa mesa.

Depois de bem misturadinho, aqueles pequenos coágulos alvos iam para a forma, devidamente forrada por um pano bem fininho, que no momento me foge o nome. O quase-queijo era embrulhado e colocávamos um peso sobre ele para que o soro fosse saindo aos poucos. De tempos em tempos, o peso aumentava e mais soro escorria. Claro que um daqueles ainda molengas e fresquíssimos queijos ia pra mesa antes mesmo de terminar esse processo. Tenho vontade de chorar ao pensar que eu talvez nunca mais sinta tal prazer novamente. O queijo não tinha qualquer acidez. Ele desmanchava na boca como só um queijo nesse estágio faz. É simplesmente impossível descrever ou comparar.

Foto de Steve Wilson
Fazíamos outros tipos de queijos, como mussarela em peça, aquelas de nozinhos e alguns dos queijos frescos viravam o tal queijo curado. Minha infência foi repleta de queijos. Eu comia queijo fresco quente, daqueles que rangem no dente e têm uma rendinha dourada maravilhosa sobre eles. Desfiei nozinhos de mussarela e demorava uns quinze minutos para acabar o primeiro ritual - primeiro, sim, porque um nozinho só nunca será suficiente! Comia queijo curado tomando café com leite. Eu era praticamente um rato. Se chamasse queijo, eu me esbaldava.

Claro que minha paixão por queijo não mudou. Infelizmente não temos mais o sítio e nem o prazer de fazer os queijos, mas me mostre uma geladeira repleta dos mais variados tipos de queijos e você verá o brilho infantil tomar conta dos meus olhos. O brilho de cada um, as texturas incíveis de cada um deles - das mais macias às mais arenosas, os aromas, as formas e os sabores... Ah, quanta riqueza! Eu viveria de queijo.

Queijo é o acompanhamento perfeito. Queijo é a salvação quando você tem um macarrão meia boca em sua frente. Queijo é simplicidade, complexidade e diversidade. Queijo para mim é como gente, como a vida. Nasce de uma mesma forma, mas cada processo o transforma em um produto final diferente.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Almeirão com manga

Depois de terminar o curso de gastronomia, senti como que se tivesse sido tomada por uma mania estranhíssima. Eu preciso experimentar comida. É de se esperar que comidas deliciosas devam ser experimentadas, mas se alguém falar "mas que coisa horrorosa!", eu também preciso saber o que é esse horror todo. E o verbo é esse mesmo: precisar.

Infelizmente ainda tenho meus tabus. Certas comidas que não parecem comida - como ostras - eu ainda não consegui experimentar. Mas ninguém apareceu em minha frente com confiáveis (e disfarçadas) ostras gratinadas. Talvez assim eu crie coragem de comê-las... Mas algo que certamente passarei a vida sem são os tais ovos milenares. Ovos enterrados por 100 dias em uma misteriosa combinação de ervas que fazem com que o ovo cozinhe e ganhe uma clara com cor de gelatina de Coca-Cola e gema parecendo uma bolinha compacta de cinzas, isso eu não preciso! Há quem goste e eu admiro isso. Queria ser destemida, mas como disse uma amiga frente á tal desafio: Não é falta de coragem! Comer ovo podre simplesmente me parece burrice!

Juro que minha intensão não é fazer meu leitor perder a fome, mas a dura realidade de quem está fadado à mania de experimentar precisa ser exposta. Quando alguém te pergunta, maliciosamente, se você quer experimentar o pior biscoito que existe no mundo e você responde "mas é óbvio!", algo precisa ser feito. Eu preciso dizer isso ao mundo e saber que não estou só no mundo. Estou? Uma vez cheguei a uma loja de roupas que tinha uma pimenteira no balcão... Eu quase arranquei uma! E eu nem gosto de pimentas!!!
A esse ponto você deve estar achando que eu preciso mesmo é de terapia. Já fiz. Nada tão fora do normal acontece comigo. E quem já leu o maravilhoso livro "Deve ter sido alguma coisa que eu comi", vai saber que encontrei muito conforto ao ler a saga do autor em busca de provas neurofisiológicas para sua obsessão por comida. Alguns estudos dizem que isso é resultado de uma má formação cerebral, outros estudiosos dizem: se isso não atrapalha sua vida, viva! Estou vivendo.

E em minhas experimentações eu tenho encontrado coisas maravilhosas. Das mais simples, como um delicioso bolo frapé coberto de requeijão, até as mais inusitadas, como salada de almeirão com manga. Vale dizer que eu não escolheria esses dois ingredientes sozinhos. Eu não gosto do sabor extremamente amargo do almeirão, e manga é umas das frutas que eu deixo de lado, mas juntos... ah que combinação!

quarta-feira, 16 de junho de 2010

São Miguel do Gostoso - parte II

Aqui a comida tem mais sabor! Esse foi mais um dos pensamentos que tomara minha mente em meus 15 dias de férias. Não é tão absurdo pensar que isso é possível. Eu estava num lugar paradisíaco, conhecendo pessoas incríveis e não me restava nada a fazer a não ser aproveitar as maravilhas daquele lugar.

Logo num café da manhã me deparei com o sabor de um melão. Aquele simples melão amarelo... Eu já estava convencida de que eles tinham gosto de plástico. Eu realmente achava que toda a minha felicidade ao comer um naco de melão em minha infância se devia à falta de desenvolvimento das minhas papilas gustativas. Eu estava errada. Nunca me senti tão feliz por estar errada. Era uma festa em minha boca, como se eu estivesse tomando champagne.

Cidade simples pede comida simples. E é aí que eu me esbaldo. Muita gente acha que depois de estudar gastronomia, uma pessoa passa a viver de requintes trufados. Estão enganados! Não há quem negue o delicioso prazer de um pão com ovo, uma batata frita sequinha ou um simples arroz fresquinho. Comida boa é comida boa.

Lá comi o melhor guacamole da minha vida e conheci a cavala grelhada acompanhada de batata frita e salada de rúcula, repolho roxo e cenoura, no Jardim do Seridó. Descobri os prazedes de outro peixe chamado cioba, acompanhado de macaxeira frita (que de tão sequinha parecia assada) no Dedé de Tico. Tomei caipirinha de cajá e comi crepes que desmanchavam na boca, feitos na Madame Chita. Ganhei bolo de banana quentinho em um dos dois dias de chuva que enfrentei, feito pelo dono da Pousada Chantilly.

E é claro que tudo isso ficou com ainda mais sabor porque foi temperado com pessoas incríveis e longas caminhadas ao por do sol. Nenhum compromisso a não ser curtir.

domingo, 23 de maio de 2010

São Miguel do Gostoso - parte I

Essa não é uma redação de primeira série sobre "minhas férias", embora isso evoque pensamentos saudosos do tempo em que a maior dificuldade de nossa vida era escrever um texto com início, meio e fim. Voltei de férias (a primeira de uma vida com muitas mudanças de rumo) e estou absolutamente tomada pela síndrome de abstinência. Em minha viagem a São Miguel do Gostoso - esse lugar existe! - reafirmei minha escolha de aliar a gastronomia ao marketing.

Quem tem contato com o tal do marketing, sabe que muito se fala dos P´s (de contagens incertas, dependendo do autor), mas em meu descanso tudo que eu queria eram dois outros esquecidos P´s: Paz e Praia. Mas vi que ao invés de curtir apenas "os esquecidos", uma avalanche de marketing, gastronomia e diversão tomou a minha cabeça.

Voei para Natal dia primeiro de maio, dia do trabalho, o que achei poético para a primeira viagem de férias. Após 120 km de estrada exuberante em companhia de um motorista muito simpático, cheguei ao meu destino final e fui tomada por uma série de sentimentos que consegui traduzir em pensamentos absurdos e perigosos:
  1. "Aqui o céu é maior!"
  2. "É impossível ficar doente num lugar como esse."
  3. "Por que se tranca uma porta mesmo?"
  4. "Eu não sou incapaz de matar um pernilongo aqui! Ele faz parte da natureza." (esse pensamento se dissipou após a primeira rave de pernilongos em meu quarto)
Ao chegar na pousada já comecei a pensar que qualidade de serviço é receber aquilo que se precisa, e não necessariamente ver pessoas seguindo protocolos de treinamento. Muitas vezes boa vontade basta. Claro que em férias é muito mais fácil pensar que está tudo bom, então decidi testar esse pensamento quase anárquico sempre que possível.

Um dos fatores mais importantes para avaliar uma experiência é a expectativa que se tem do que se vai receber. Aqui estava uma dificuldade: cheguei lá sem qualquer expectativa a não ser "paz e praia", e isso foi cumprido lindamente.


Como saber se minha mente em processo de hibernação marketeira conseguiria avaliar criticamente a situação? Meu objetivo primário era descansar. Eu tinha uma suíte com ar condicionado, frigobar e varanda com rede. Estava numa pousada pé na areia. O que mais eu preciso? Nada. Depois de um tempo comecei a perceber que ninguém tinha me vendido mais do que eu estava recebendo. Ninguém me disse que lá eu encontraria um caixa eletônico conveniado à rede 24H, então não ter um não poderia ser um  problema. Ninguém me disse que eu teria uma banca de jornal ou livraria, logo, seria injusto eu me revoltar contra a cidade por não me oferecer essa opção de compra.

Outra variável que afetou em minha avaliação: curti São Miguel do Gostoso na baixa temporada. Isso fez com que eu recebesse muito mais do que recebe um cliente regular. Eu era uma das poucas turistas na cidade e em pouco tempo eu já tinha conhecido os donos de diversos restaurantes e bares. Ao chegar num local, geralmente vazio, era bem possível que o dono se sentasse à minha mesa e batêssemos longos papos sobre a vida naquela cidade, os negócios, família... e terminássemos a noite como grandes amigos.

Com todas essas experiências reafirmo minha convicção: expectativa é tudo. Abracei a cidade com tudo o que ela tinha para me oferecer. O que ela não tinha, ninguém havia me dito que teria, então minha mente em férias assumiu um papel importantíssimo e me permitiu relevar. O problema daqui pra frente será viver aquela cidade na alta temporada: não terei meus novos amigos sentados à minha mesa, eles estarão enlouquecidos com os demais turistas.

domingo, 25 de abril de 2010

Semente, broto, planta, flor, fruto, semente

Somos como angiospermas: temos uma vida com ciclos.

Embora cada pessoa escolha quais etapas vai pular ou repetir, basicamente nascemos, crescemos, nos reproduzimos, envelhecemos e morremos. A riqueza está justamente na diversidade de cruzamentos, de repetições, de abstinências. Cada pessoa com a sua história. Cada fruta com sua semente.

Minha avó chamava minha mãe de flor de maracujá. Minha mãe me chamava de flor de maracujá. Eu ficava infinitamente desconsolada com tal apelido. Maracujá? Aquela fruta azeda e enrugada? O que eu fiz para merecer tal referência? O dia em que decidi expor minha indignação, minha mãe caiu na gargalhada. Fiquei ainda mais desconsertada.

Ela me explicou que também sofria da mesma aflição quando criança. Continuei abismada: seria esse um tipo torto de vingança? Não é mentira aquilo de fazer aos seus filhos aquilo de mais perturbador que seus pais fizeram com você?! Ela jurava que a flor era linda. Eu desacreditava. Ela dizia que também desacreditava, quando criança, e que não sabia o que fazer para me convencer (naquela época não existia internet e a Barsa não trazia uma foto da flor de maracujá).

O que minha avó fez para te convencer? "Um belo dia ela me chamou no quintal e me mostrou uma flor de maracujá que havia nascido lá". Embora eu more em casa, sabia que a probabilidade de um pé de maracujá nascer aqui era remota. Continuei desacreditada da beleza da tal flor, achando que minha mãe estava apenas tentando disfarçar sua vingança.

Alguns anos se passaram e eu já nem ligava mais para o apelido. Era como qualquer coisa. Era como ela chamar "filha". Foi quando minha mãe chamou. No quintal havia nascido uma trepadeira bonita, que ela foi deixando crescer porque tinha uma folha "tão bonita"... No quintal havia nascido uma flor de maracujá. O fruto não cai longe do pé.


Foto de Srta. Amanda

sábado, 24 de abril de 2010

De chocolate com morango da madrinha


Foto de Dimitris Ladopoulos

Eu já manifestei minha admiração pelas crianças, mas confesso que nem sempre foi fácil para mim me relacionar com elas. Tive a sorte de ter muitos pimpolhos que me ajudaram na árdua (e deliciosa) tarefa de lidar com a franqueza infantil.

Meu grande herói é meu afilhado. Minha grande heroína é minha prima, que me deixou ser madrinha do filho dela. Deus sabe que eu teria medo de confiar um filho meu a uma pessoa que não sabia (sim, espero que esse verbo pertença ao passado) conversar com uma criança. Eu tinha muito, mas muito medo daquele jeito espontâneo, daquela cara que eles fazem quando pensam "por que você está complicando tanto?", mas, acima de tudo, eu tinha medo da lógica infalível.

O neto de uma amiga da minha mãe uma vez torturou a avó. Acho que a mulher devia mesmo ser uma chata, mas ouvir do próprio neto que não gostava NADA da avó, isso é sacanagem! Ou não. Enfim, a pobre avó insistiu: "Mas você não gosta nem um pouquinho da vovó? Nem um tiquinho assim?". A criança, enfurecida com a insistência, respondeu: "Vó, você sabe o quanto é zero? Zero é nada! NA-DA!". Eu morreria. Não sei se a avó ainda vive.

Nem preciso dizer que fiquei eternamente grata quando vi que meu afilhado veio com um manual de instruções. Tudo o que eu precisava era perder o medo de atender àquilo que ele estava falando. "Madinha, não é assim! Agora você precisa fazer assim, ó!". E eu seguia as instruções. Simples assim. Levar bronca de uma criança de vez em quando não é problema indissolúvel. Claro que ela não pode virar a rainha má do castelo, mas quando você está brincando com ela, que mal há em embarcar em suas fantasias? Na verdade é até mais simples. Assim você não precisa desenferrujar seu cérebro viciado na realidade para criar algo novo e surpreendente. Simplesmente destrave o freio e vá, na banguela. Eles te puxam, empurram e brecam por você...

Todas essas conquistas são doces. Doces como festa de aniversário, com cheiro de vela e brigadeiro espremido em algum lugar escondido. Doces como quando minha prima perguntou para meu afilhado que bolo ele queria no seu aniversário... "De chocolate com morango da madrinha". Eu vivi naquele instante. Eu vivo para esses instantes.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Doce Algodão Doce


 Foto de Sërch

Mágica. Algodão doce só pode ser feito de mágica. E açúcar.

Quem é que nunca pensou em algodão doce ao olhar para as núvens? Algodão doce é feito de sonhos, devaneios, fios que ligam a alma à razão. Algodão doce é feito de amigos, de buzina e cores. Algodão doce surge como se houvesse matéria no nada e desaparece como se nada mais houvesse naquele momento.

Ele precisa ser compartilhado, de vez em quando espremido entre os dedos até virar uma folha de papel doce. Os dedos precisam ficar melados. Algum melado deve sobrar, esquecido, pronto para causar risos quando achado. Algodão doce não é algo, é lembrança.

Uma doce lembrança que guardo é de um passeio com uma grande amiga no Jockey. Ela veio de outra cidade e me deu a oportunidade de ser turista em plena São Paulo. Um dia fomos assistir um GP, ver cavalos lindos, pessoas de chapéu e fanáticos. Um mundo paralelo encantador. E nosso propósito naquele dia era fazer tudo diferente... comer todas as tranqueiras possíveis, como se fôssemos crianças fugidas dos pais. Duas arteiras natas, soltas em um mundo fantástico.

Quando já estávamos sem forças para comer mais, lembrei-me do algodão doce. Ele não ocupa espaço, ele é mágica que surge do nada e deve retornar ao nada. Ele não pode faltar! Saí em busca dos sonhos... Cheguei à carrocinha e pedi meu algodão doce, daqueles feitos na hora, soltinhos, brancos e deliciosos. Foi dada a largada. O barulho chatíssimo da máquina já nem era mais problema. Eu estava hipnotizada pelo movimento cadenciado daquela mulher com um enorme sorriso. Mas o sorriso foi sumindo... Sumindo... Sumindo... E meu estado de hipnose foi sendo quebrado pela aflição da mulher. "Puxa da tomada! Puxa da tomada!" - ela gritava enquanto o movimento deixava de ser gracioso. A máquina quebrou ligada! Justamente na minha vez!

Foi um alvoroço só. As pessoas olhavam, riam, apontavam. A mulher me entregou o algodão doce e pouco me importava e resto do mundo: eu estava com o maior algodão doce da história em minhas mãos. Eu era uma criança feliz. Eu agia como uma criança feliz. Eu não me importava com nada, a não ser com o controle do meu algodão doce, como uma criança feliz. E voltei para a arquibancada.

O alvoroço me seguiu. Os olhares me seguiam. Outros olhares foram atraídos por aquela grande núvem espetada em um palito. Quando baixei a núvem, pude ver os olhos arregalados de minha amiga. Ela estava sentada, imóvel, num estado quase catatônico me olhando surgir por de trás daquele algodão doce colossal. E então ela despencou no riso. "Só podia ser você! Só podia!"

Por isso, quando me perguntam como é feito o algodão doce, eu respondo. É mágica.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Like a kid in a candy shop

Foto de Kelly Kautz

Uma das épocas mais felizes da minha vida na cozinha foi quando eu fazia estágio (não remunerado) numa confeitaria. A cozinha tinha janelões de vidro por todos os lados e um deles dava para a loja. Ali era possível ver a reação de todos que olhavam para os doces. Eu considerava esse o meu pagamento.

Quando entravam crianças, eu largava o que quer que estivesse fazendo para correr e olhar a vibração deles em frente ao balcão. Eles literalmente vibravam! Tremiam, chacoalhavam as mãos, viravam a cabeça freneticamente para os lados, olhinhos arregalados e pés saltitantes. Quase choravam por ter que escolher um só. Lembro-me até hoje quando eram dois irmãos, deviam ter 5 e 6 anos, e competiam loucamente para ver quem escolheria o melhor. O mundo poderia ter acabado naquele dia.

O meu doce preferido sempre foi o brigadeiro. Brigadeiro é o doce nacional, nasceu em uma campanha política (por favor não passem a odiá-lo!) e agora virou mania de boutique. Em cada esquina vemos um atelier especializado, uma loja moderninha, marmitinhas de lata, paninhos de pic nic e bridageiro de tudo quanto é sabor para todos os lados.

O meu favorito é feito com cacau, em casa, pra comer ainda quentinho. Se eu dou a receita? Claro!

BRIGADEIRO DE CACAU
1 colher de sopa de manteiga
1 colher de sopa de cacau em pó (bem cheia)
1 lata de leite condensado

PREPARO: Aqueça a manteiga e misture o cacau em pó. Esse é o segredo para não empelotar, porque o cacau dissolve bem em gordura e não no líquido. Aí é só misturar o leite condensado e ir mexendo até ficar no famoso ponto de soltar da panela. Ou um pouquinho antes mesmo, porque até molinho ele é bom!

A vida é doce.

"I brought you flours"

Essa é minha frase favorita. E eu não errei na escrita.

Para quem não assistiu "Stranger than Fiction", o filme fala sobre um homem que passa a ouvir uma narradora de sua vida. E ele vai morrer. And he brought her flours. Isso é tudo o que tenho a dizer sobre o filme. Assistam.

Sempre que penso nesse filme, penso em minha vida, em minhas escolhas, nas escolhas de muitas pessoas que conheço. Penso no valor das relações, na riqueza que um simples cookie tem, no significado que cozinhar tem para mim. Aprendi a cozinhar ainda muito pequena, quando minha mãe viu que seria melhor me ensinar antes que eu explodisse a cozinha.

Por muito tempo minha felicidade era separar as forminhas de papel para os brigadeiros. Eu achava que estava fazendo a festa inteira! Definitivamente essa deveria ser a tarefa mais importante. O que poderia ser mais importante do que brigadeiros confortavelmente acomodados em forminhas de papel coloridas, sem qualquer amassadinho, perfeitamente separadas? Nada.

Depois descobri os bolos, que me levaram às tortas, aos cremes, coberturas e a uma faculdade de psicologia. Sim, tinha algo estranho nessa ficção. Depois de três semestres vi que acho a psicologia linda, mas que não queria ser psicóloga. Guardei com muito carinho minhas experiências dessa fase e segui em frente. Prestei artes cênicas. Amo teatro, artes, expressão, mas me enganei mais uma vez.

Num belo dia um amigo veio me falar sobre um novo curso: gastronomia. Naquela época era novidade e acho que pela primeira vez tive medo de mudar de rumo, mas mudei. Fiz gastronomia. Foi como estar finalmente em minha pele. Não sei se todos conhecem essa sensação, mas tenho certeza de que aqueles que já experimentaram isso sabem que não há outra expressão que substitua. E quando você está em sua pele, finalmente, você não quer que te digam o que fazer ou não dela. Ela é sua e você nunca mais abrirá mão dela. Demorou a chegar, é mais precioso.

Fiz estágios em confeitarias, panificadoras e trabalhei em um restaurante. Por muito tempo cozinhei para desconhecidos, mas certa de que estava proporcionando um momento especial para suas vidas. Aquele breve instante em que o doce toca a ponta da língua e começa a derreter. As cores, formas e texturas que de tão lindas você tem dó de desmanchar. Mas nada se compara àquele instante, aquele olhar que mostra que você está compartilhando tudo isso com pessoas queridas.

Confortável em minha pele, mas não com o ambiente, fui estudar marketing. Já estava convencida de que na vida escolhemos formação, e não profissão. Mais uma vez me apaixonei, mas como toda boa paixonite, ninguém entendia o que havia de tão mágico nessa relação. Gastronomia e marketing não pode ser um casal! Pode? Pode. Pense bem.

Comecei um estágio numa empresa, conheci o dia a dia de marcas, continuei colecionando pessoas... Fui para uma consultoria, adicionei mais pessoas à minha coleção. E estou vivendo de bem com a minha pele e com o meu ambiente. E quando eu não estiver, mudarei mais uma vez, como as pessoas devem fazer.

Já me perguntaram se eu não tinha medo de não parar nunca. A resposta continua sendo não, eu tenho medo é de parar.